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domingo, 2 de março de 2014

CAIO E O DRAGÃO DOURADO – Parte 8

CAIO E O DRAGÃO DOURADO (Parte 8)


Caio, por mais que tentasse, não conseguia conciliar o sono. Logo estaria amanhecendo, e ele precisava estar pronto para seguir viagem. Levantou-se com a intenção de sair para caminhar um pouco; e seu coração disparou quando ele percebeu que estavam cercados.

Um dos quinze homens que montavam guarda na entrada da caverna, ao vê-lo recuar, gritou:

– Pode sair; temos ordem de não feri-lo. Queremos apenas o dragão. Traga-o para fora, e você estará livre.

Caio não respondeu. Voltou para o interior da caverna, e acordou Camilo e o dragão. Ele parecia indeciso... Precisava proteger seus dois amigos, mas não conseguia decidir o que fazer.

Camilo, percebendo a angústia de Caio, disse:

– É melhor você ir... Talvez a princesa o perdoe e o aceite de volta.

Caio, comovido com a sinceridade que havia nas palavras de Camilo, respondeu:

– E deixá-los aqui?!... Nunca!

Camilo insistiu:

– Você não compreende... Raio de Sol e eu estamos cansados de ficar fugindo... Não somos bem-vindos em lugar nenhum... Cansamos!... É melhor que tudo termine logo de uma vez!

– Não diga isso, Camilo... Sei que nossas chances são mínimas; mas, ainda assim, não iremos nos entregar... Se tivermos que morrer, morreremos todos juntos lutando.

– Que diferença isso fará, se morreremos de qualquer jeito?!...

Caio ficou ainda mais comovido quando Camilo, acercando-se de Raio de Sol, abraçou-o e disse entre soluços:

– Perdoe-me... Sei que prometi protegê-lo, mas agora não há mais nada que se possa fazer.

Caio podia jurar que tinha visto o dragão soltar uma lágrima. Era tão bonita a amizade que unia Camilo e Raio de Sol, que Caio, por um momento, esqueceu-se do perigo que corriam e, aproximando-se dos dois, abraçou-os.

Foi uma tremenda falta de sorte! Os homens entraram sorrateiramente e, ao vê-los abraçados, convenceram-se de que o dragão era manso, e poderiam liquidá-lo facilmente.

Caio virou-se assustado quando lhe disseram:

– Saia, e leve o garoto com você.

Caio perguntou:

– O que pretendem fazer?... Agora que sabem que o dragão é manso, não têm motivo para matá-lo.

Um grandalhão, que estava à frente do bando, respondeu:

– E quem foi que disse que precisamos de um motivo. Estamos a serviço da princesa Cândida. Se ela quer a cabeça do dragão empalhada, ela a terá. Para o seu próprio bem, é melhor não interferir.

Caio, embora ciente de que seria uma luta desigual, empunhou a espada e, colocando-se à frente de Raio de Sol e Camilo, gritou:

– Se quiserem a cabeça do dragão, terão que me matar primeiro. Só lhes peço que poupem a vida do menino.

Os homens fizeram um movimento para avançar; mas, sem que Caio pudesse adivinhar a razão, saíram correndo feito loucos alucinados, tropeçando uns nos outros, soltando exclamações desconexas.

Caio virou-se para ver como Camilo e o dragão tinham conseguido assustá-los; só que, dessa vez, foi ele quem caiu de joelhos ao se deparar com uma jovem de cabelos louros, toda vestida de dourado.

Caio estava deslumbrado diante de tanta beleza. Queria falar, mas a voz não saía. Seus pensamentos só sabiam lhe dizer que era ela a mulher que ele sempre sonhara encontrar, e não Cândida.

Camilo, por sua vez, parecia transbordar de felicidade. Abraçado à jovem, contemplava o rosto do amigo. Finalmente, disse:

– Caio, levante-se! Ela não é nenhuma feiticeira... É Bruna, minha irmã! Você conseguiu quebrar o encanto que um duende lançou sobre ela!

Caio, que já havia se levantado, disse:

– Não consigo compreender por que um duende colocaria um feitiço tão terrível em alguém que mais parece uma deusa!...

Foi Bruna quem explicou:

– Caio, são apenas os seus olhos que me veem assim. Se soubesse como me sinto envergonhada!... Sempre sonhei em me casar com um homem forte e corajoso, mas os rapazes que apareciam eram tão diferentes do que eu havia imaginado!... Foi quando tive a infeliz ideia de incitá-los a matar dragões. Se soubesse as coisas horríveis que eu inventava sobre esses animais!... As palavras do duende ainda ecoam em minha mente e me fazem tremer:


“Formosa menina de cabelos dourados,
Seu coração é negro como
Uma noite sem estrelas
E um sol apagado.

O que mais admira nos homens
Será a sua desgraça.
Sentirá na própria pele
Como se sente um dragão ao ser caçado.

Todavia, há um único modo de salvar-se,
Oh, Jovenzinha sem coração!
O feitiço só será quebrado
Se um homem corajoso
Virar-lhe as costas duas vezes,
Para salvá-la ou para salvar seu irmão!”


Após uma ligeira pausa, Bruna acrescentou:

– Creio que aprendi a lição; mas o pior castigo ainda está por vir.

Caio e Camilo se entreolharam surpresos e preocupados. Nenhum dos dois parecia ter compreendido as palavras de Bruna. Quebrando o angustiante silêncio, Caio perguntou:

– Pode haver algo pior do que ter sido transformada em um dragão?!...

Bruna abaixou os olhos quando respondeu:

– Pior do que aparentar ser um dragão monstruoso é descobrir o amor verdadeiro e não se sentir digna de ser amada.

Embora Caio e Camilo tivessem bebido da sinceridade que havia nas palavras de Bruna, nenhum dos dois se entristeceu. Em vez disso, os seus olhos brilharam de alegria quando se encontraram.

Camilo estava muito feliz. Em breve poderia ver seus pais, e o receio de que Bruna um dia se casasse desapareceu. Com Caio, Bruna poderia se casar, porque além de não perder sua irmã, Camilo sabia que Caio seria para ele o irmão com o qual sempre sonhara.

Embalado por pensamentos de felicidade, Camilo endereçou a Caio um olhar encorajador e saiu.

Caio, sentindo-se ainda mais feliz do que Camilo, aproximou-se de Bruna e, sem dizer nada, beijou-a.

Daquele momento em diante, Bruna voltou a sentir o coração leve e, alguns meses depois, realizou o seu grande sonho de se casar com o homem mais corajoso que conhecera.

F   I   M



 

CAIO E O DRAGÃO DOURADO – Parte 7

CAIO E O DRAGÃO DOURADO (Parte 7)


Após passar uma semana na companhia de Camilo e Raio de Sol, Caio decidiu voltar ao palácio da princesa Cândida para dizer-lhe:

– É exatamente como eu suspeitava: o dragão é manso. Se ele reage quando o importunam, é apenas para se defender.

A princesa respondeu com frieza:

– Se o dragão é tão manso quanto você diz, o que ficou fazendo você esse tempo todo que não aproveitou a oportunidade de cortar-lhe a cabeça, e trazê-la para mim?

Atordoado, Caio replicou:

– Creio que não entendeu o que eu...

Sem deixá-lo terminar, a princesa disse:

– É evidente que compreendi. Você é que parece não querer se casar comigo. Não se lembra de quando me prometeu que não pouparia esforços para satisfazer o meu menor desejo?!...

Caio, transtornado ao perceber que por trás da repentina doçura de Cândida não havia amor e sim o desejo de manipulá-lo, perguntou-lhe:

– O que é mais importante para você: casar-se comigo ou ter a cabeça do dragão dourado pendurada na parede do seu quarto?

– Por que escolher quando posso ter os dois: você e a cabeça do dragão?!...

Caio não gostou do que ouviu. Foi só naquele instante que percebeu o quanto havia se enganado em relação aos seus sentimentos por Cândida. O amor, como uma ave sem rumo, parecia ter partido, e deixado o coração de Caio no mais completo abandono.

Sem dizer uma palavra, Caio virou-lhe as costas e caminhou em direção à porta. Antes de partir, ele pôde ouvi-la dizer:

– Se não quer o meu amor, não terá mais nada! Todos os seus bens serão confiscados, e o meu coração pertencerá àquele que tiver a coragem de fazer o que você deveria ter feito.

A esmagadora certeza de que Raio de Sol corria perigo preencheu o vazio no coração de Caio. Era difícil de explicar como, de um momento para outro, ele começara a sentir tanto carinho pelo gigantesco animal.

Quando Caio retornou à caverna onde o dragão se escondia, disse a Camilo:

– Precisamos partir imediatamente. A princesa Cândida e eu desmanchamos nosso compromisso, e receio que ela desconte toda a sua ira em Raio de Sol. Ela sabe que esse seria o único modo de me atingir.

Camilo não disse nada. Parecia preocupado.

Caio, observando em seu rosto aquela mesma expressão contraída e os dentinhos que já começavam a morder o canto do lábio inferior, disse para animá-lo:

– Ei, não se preocupe! Encontraremos um meio de sairmos dessa! Partiremos logo pela manhã.

Desanimado, Camilo murmurou:

– Não adianta! As pegadas que Raio de Sol deixa são muito fundas; não conseguiremos apagar todas elas.

– Daremos um jeito!

– Não percebe que estaremos em desvantagem, se tentarmos fugir? É melhor ficarmos.

– É loucura! Seremos massacrados.
Camilo, após alguns minutos de reflexão, finalmente concordou:

– Está certo... Partiremos pela manhã.


Sisi Marques

CAIO E O DRAGÃO DOURADO – Parte 6

CAIO E O DRAGÃO DOURADO (Parte 6)


As pegadas conduziam a uma caverna escondida por entre os arbustos. Assim que Caio conseguiu localizar sua entrada, disse a Camilo em voz baixa:

– Você espera aqui; vou entrar sozinho para certificar-me de que o lugar é realmente seguro.

Camilo protestou:

– Não pode entrar sem mim.

– Ouça, todo cuidado é pouco. Se você entrar comigo, além de proteger a minha pele, terei que proteger a sua; não percebe que só isso já nos colocaria em desvantagem? Sem dizer que nem deveríamos estar conversando aqui fora; se ele tiver a audição aguçada, perceberá a nossa presença.

Camilo insistiu impaciente:

– Não pode entrar aí sozinho!

Depois ensaiou um sorriso maroto, e fez um gracejo:

– A não ser que queira virar churrasco!...

Caio não teve tempo de rir das palavras de Camilo. Ele estava certo quando disse que teriam que ser cautelosos se quisessem surpreender o dragão, em vez de serem surpreendidos por ele. Com uma ferocidade alucinante, o dragão havia deixado a toca, e emitido em sua direção um rugido estridente.

Recobrando-se rapidamente do inesperado ataque, Caio contornou o animal, e saltando em seu dorso, levantou a espada com a visível intenção de liquidá-lo num único golpe. Camilo gritou:

– Pare! Por favor, pare!

Caio atordoado olhou para Camilo. O garoto estava de joelhos, com o rosto encoberto pelas mãos. Tudo havia acontecido muito depressa, e Caio teve receio de que Camilo não suportaria a cena sem desfalecer.

Caio vacilou... Estava confuso, indeciso... Não sabia o que fazer. Só precisava cortar o ar com a espada, e estaria tudo terminado. Cortar o ar!... Não seria só o ar que ele cortaria!... Caio sentiu uma reviravolta no estômago ao imaginar a cabeça do dragão caindo e rolando na grama.

Não!... Não poderia matar aquela criatura!... Não poderia matar fosse o que fosse!...

Só que o dragão, como não tivesse o poder de adivinhar os pensamentos de Caio, tirou vantagem da situação. Depois de sacudir-se todo, arremessou-lhe a gigantesca cauda, atirando-o violentamente ao chão.

Camilo, já com o rosto descoberto, parecia petrificado. Não era bem essa a recepção que esperava que Raio de Sol desse ao seu amigo. Também não imaginou que Caio ainda tencionasse matá-lo. Percebeu que era hora de procurar controlar-se e intervir, para evitar que um dos dois saísse ferido. E foi o que fez. Levantou-se e saiu correndo para colocar-se entre o dragão dourado e Caio, que ainda estava caído ao chão.

Caio, ao vê-lo de pé, parado entre os dois, ficou tão fora de si que, conseguindo levantar-se, abraçou o garoto para servir-lhe de escudo caso o dragão soltasse uma rajada de fogo ou avançasse enfurecido.

Caio estava de costas para o dragão!... Embora soubesse que aquele fora o maior erro que havia cometido em sua vida, tudo o que fez foi fechar os olhos e começar a rezar, talvez na esperança de que um milagre acontecesse e os livrasse da morte.

Na sua imaginação, o seu corpo já sentia o calor da chama. Mas, para o espanto de Caio, tudo o que o seu corpo realmente sentiu foi uma leve batidinha, que o dragão deu em suas costas com a cabeça numa demonstração de carinho.

Caio virou-se surpreso, e fitou o par de olhos enormes que o observavam com doçura. Camilo, por sua vez, ao se sentir livre do abraço de Caio, olhou para os dois e gritou de alegria ao perceber que Raio de Sol havia compreendido que Caio era um amigo, o único amigo que eles conseguiram encontrar em todos aqueles meses de solidão.

Sisi Marques


CAIO E O DRAGÃO DOURADO – Parte 5


CAIO E O DRAGÃO DOURADO (Parte 5)


Caio esperou pacientemente que Camilo recobrasse o equilíbrio emocional. Embora gostasse da companhia do garoto, percebeu que teria que prosseguir sozinho se quisesse mesmo matar o dragão. Depois de hesitar um pouco, Caio finalmente disse:

– A brincadeira acabou, garoto: siga o seu caminho para que eu possa seguir o meu.

Camilo respondeu com o olhar repleto de indignação:

– Também acho melhor que seja assim, porque não quero sujar os meus pés no sangue que você irá derramar.

Caio, começando a perder a paciência, rebateu:

– Espere um pouco! Do modo que você fala, até parece que pretendo começar uma guerra, matar pessoas inocentes, ou sei lá eu o quê!... Eu só quero a cabeça do dragão dourado, é isso! Consegue compreender?

– Não!...

– Camilo, ouça bem: dragões são seres monstruosos, cruéis e desprezíveis. Se não os matarmos, eles nos matarão.

– Raio de Sol nunca matou ninguém.

– Raio de Sol?!... É assim que costuma chamar o dragão dourado?!...

– Ele é meu amigo.

– Bobagem! Ninguém pode ser amigo de um dragão. Não percebe que está vivendo uma fantasia que você mesmo criou na sua mente?!

– Eu não estou mentindo!

– Não precisa se alterar... Sei que não está mentindo. Você é uma criança, e as crianças costumam ter as cabecinhas cheias de sonhos. Inventam coisas não por maldade, e sim para escapar do mundo dos adultos.

– Se eu lhe provar que conheço o dragão dourado, e que ele é mais manso do que você ou eu, você promete que desistirá de matá-lo?

– Sabe que não posso desistir. Já lhe expliquei por que tenho que matá-lo.

Camilo, percebendo que sua insistência ia pouco a pouco esfarelando a tênue obstinação de Caio, resolveu dar-lhe mais uma chance de provar que era diferente dos outros homens que já haviam tentado capturar Raio de Sol. Pôs-se novamente a cantar a canção que ele mesmo havia criado:

"Eu sou criança,
A esperança
De um mundo melhor...

Você é um a-..."

Mas Caio interrompeu-o bruscamente, dizendo:

– Cale-se! Essa canção pode ser perfeita para você, mas não tem nada a ver comigo. Não sei por que esse dragão parece ser tão importante para você. Para mim, é um dragão como qualquer outro e, por incrível que pareça, creio que até já me conformei com a ideia de matá-lo.

Caio olhou para Camilo para verificar o efeito de suas palavras. Era como suspeitava: a mesma expressão contraída, e os dentinhos a morderem o canto do lábio inferior. Caio teve a nítida impressão de que, se o garoto não fosse tão frágil, se não tivesse consciência de sua desvantagem, já teria apelado para a agressão física.

Nesse ponto Caio não se enganara... Camilo já o tinha visto brigar com aqueles homens que tentaram assaltá-lo. Caio era forte e corajoso... Nem ele, nem tampouco Raio de Sol teriam a menor chance de enfrentá-lo, e Camilo o odiava por isso.

O ódio nos olhos de Camilo era tão cristalino que Caio pôde senti-lo como uma espada fria e afiada a atravessar-lhe o coração. Caio exclamou:

– Eu desisto!

Embora Camilo permanecesse calado, nos seus olhos, o ódio já começava a tingir-se de esperança.

Percebendo isso, Caio acrescentou:

– É verdade! Eu me rendo: você venceu! Vamos conhecer o seu dragão dourado.

Um sorriso iluminou por completo o olhar de Camilo. E Caio, mesmo com receio de que esse sorriso se apagasse, disse:

– Mas, ouça bem, se esse seu dragãozinho não for tão manso quanto você diz que é, teremos que dar cabo dele... Concorda?

O sorriso não se apagou, e Camilo respondeu:

– Ele é manso; você verá. Se não fosse por mim, ele já teria morrido. Sou eu que o alimento e o protejo.

Fingindo acreditar no garoto, Caio exclamou:

– Você é corajoso! Mas não acha que essa é uma tarefa muito perigosa para um garotinho da sua idade?!

Caio ficou intrigado, quando Camilo respondeu:

– Para ser sincero, acho sim. Os outros homens que vieram atrás de Raio de Sol não eram como você. Eram mais cruéis do que corajosos, e Raio de Sol e eu tivemos que dar duro para nos livrarmos deles. Vai ser muito bom termos você do nosso lado.

Caio abanou a cabeça e sorriu ao pensar que era Camilo quem parecia um raio de sol, e não o dragãozinho que ele inocentemente havia criado em sua imaginação.

Camilo também parecia feliz, e os dois partiram cantando a canção de Camilo.


Sisi Marques